FILHA INCENTIVA MÃE NA VOLTA AOS CACHOS
maio 19, 2017“Minha filha me libertou das químicas” – Quando as crianças incentivam as mães a assumirem seus cabelos naturais
Sabrinah /
Natural que as mães façam de tudo para contribuir com a autoestima das filha, para que elas tenham uma relação saudável consigo mesmas. E mesmo aquelas que incentivam suas crianças a usarem os cabelos lisos não devem ser condenadas, por mais absurdo que pareça, pois como já falamos por aqui, a maioria delas sofreu preconceito e todo tipo de racismo a vida inteira e acredita que alisando os cabelos da filha está a protegendo deste tipo de crueldade, a encaixando num padrão de beleza aceitável socialmente. Dificilmente uma mãe estará agindo assim com má intenção, geralmente está apenas reproduzindo um comportamento que já lhe foi transmitido e é passado de geração para geração.
A grande questão é que no momento em que vivemos, onde a valorização do cabelo natural cresceu devido a forte militância negra nas redes sociais, as mães têm incentivado suas filhas a assumirem seus cabelos cacheados e se amarem como são desde cedo, o que torna este cenário extremamente positivo. A grande problemática disso tudo, é que muitas dessas mães, que querem incentivar suas filhas crespas a se amarem como são, ainda usam os seus cabelos alisados.
De acordo com a psicóloga Alba Dezan, a mãe, neste caso, tem um papel importantíssimo por duas questões: “Em primeiro lugar, ela é o primeiro modelo de identificação para a criança. O primeiro de todos! Identificação no cuidado, identificação no se vestir, identificação no desejo de ser como… Aquela história de que ‘quando eu crescer quero ser como a mamãe’. Em segundo lugar, há a questão da coerência do discurso. Ora, como dizer que o cabelo cacheado/crespo é bonito se ela mesma alisa o seu?Este pode ser um exemplo de mensagem ambígua, algo que é bastante prejudicial ao desenvolvimento da criança”.
Para a psicóloga, a fala é um método muito sofisticado de comunicação, que a criança demora muito para apreender completamente. E por isso a força que o exemplo tem no desenvolvimento e capacidade de interpretação desta criança. Neste aspecto, ele se torna a verdade absoluta, independente do que a mãe tente transmitir pela oratória. “A primeira linguagem entre uma mãe e seu bebê não é a linguagem verbal, mas sim a facial, através do rosto da mãe, do seu olhar. Por isso as palavras são menos importantes nesta relação. Dizemos que a criança se reconhece no rosto, no olhar da mãe, e porque não em suas atitudes”, finaliza.
Embora costumasse repetir todos os dias para Gabriela, sua filha de dois anos, o quanto os seus cachinhos eram lindos, Jéssica não conseguia entender o comportamento incessante da filha, que tentava alisar seu próprio cabelo com a chapinha de brinquedo todos os dias, e isso a deixava extremamente frustrada. E por isso percebeu que teria que assumir o próprio cabelo natural se quisesse que Gabriela gostasse do dela. Mas o mais difícil da transição não foi o processo em si, e sim os comentários maldosos que era obrigada a escutar: ” Me criticam por ter olhos claros e querer meu cabelo crespo, pois dizem que o liso combina mais comigo (…) Também já escutei pessoas falando assim: Você é você e a Gabriela é a Gabriela. Não tem que fazer as coisas por causa dela”.
E mesmo com toda a torcida negativa e quase sucumbindo a uma nova progressiva, Jéssica conseguiu se manter forte quando conheceu o projeto da fotógrafa Carolina Castro, o Alisa não, mãe! onde sua filha ganhou um ensaio personalizado em prol do seu cabelo crespo natural. Um trabalho lindo que foca no empoderamento de mães e filhas, além de denunciar o preconceito vigente.
Após participar do projeto, Gabriela tomou a iniciativa de jogar sua chapinha de brinquedo fora, afirmando que aquilo estragava os cachinhos. E toda vez que Jéssica pensa em desistir da transição, a pequena entra em ação: “Ela segura nas suas mãos pequeninas parte do meu cabelo que já enrola e me diz: – Tá lindo seu cachinho mamãe! E isso me dá forças para continuar. Quero me tornar forte para fazer da minha filha uma mulher forte também, porque eu sei que vai haver preconceito, e quando esse dia chegar, quero pegar na mão dela e dizer: estou com você filha.”
Rayniena Aparecida Alves Silva, de 27 anos, começou a alisar seus cabelos após ter que engolir inúmeras manifestações preconceituosas, desde a infância, apenas por ostentar um cabelo crespo: “Me lembro que a colega da escola que sentava atrás de mim, pintava o dedo com tinta vermelha pra falar que tinha espetado no meu cabelo, que segundo ela, era uma ‘palha de aço'”.
Manter suas duas filhas, Anna Clara, de 09 anos e Stella Caroliny, de 03 com o cabelo natural é alvo de críticas até mesmo dentro do seio familiar: “Todos dizem que devo alisar o cabelo das meninas, e uma ganhou até um apelido indecoroso, onde fui obrigada a intervir”, explica.
As duas foram a motivação que ela precisava para parar de alisar os fios, pois toda vez que chegava do salão com o cabelo alisado, percebia que as meninas ficavam chateadas e a pequena implorava para que a mãe deixasse seus cachos esticados como o dela.
Ao retomar o cabelo natural, Rayniena percebeu uma mudança radical no comportamento de ambas: “Elas pararam de querer usar o cabelo preso e esticado, agora querem os cachos soltos e têm orgulho deles”. Ela acredita que o poder do exemplo fez toda a diferença na autoestima de suas filhas e as deixou mais preparadas para enfrentar o preconceito. Ela acredita que projetos como o da fotógrafa Carolina Castro fazem toda a diferença neste processo tão transformador.
Kelen Cristina Pereira, de 30 anos, que também participou do projeto junto com sua filha Luiza de 08 anos, viu a menina se empoderar apenas quando retomou o seu cabelo natural. “O mundo diz que você é bonita, mas sua mãe diz e faz o contrário! Como assim? Você tem que se assumir e lidar com o preconceito, mas ela não! É uma mensagem totalmente equivocada”, explica.
O mundo diz que você é bonita, mas sua mãe diz e faz o contrário! Como assim? Você tem que se assumir e lidar com o preconceito, mas ela não! É uma mensagem totalmente equivocada” – Kelen Cristina Pereira (30 anos) e sua filha Luiza (08 anos)
A própria Kelen foi alvo de preconceito quando decidiu retornar ao cabelo natural, 9 anos atrás:” Mandavam eu arrumar meu cabelo, pentear, dizendo que era muito feio, para eu alisar.” Nem a pequena Luiza foi poupada das maledicências: “Falavam pra ela que o cabelo dela era de bombril, que parecia bagaço de laranja, que devia ‘arrumar'”. Mas o fato de eu já usar meu cabelo natural e enfrentar o preconceito de cabeça erguida, contribuiu para que ela também lidasse com as críticas de forma tranquila.
Além da representatividade materna, que é muito forte, Kelen também reforça a influência que faz a falta de referências midiáticas. “As princesas de filmes são brancas de cabelos lisos, as bonecas, raramente possuem traços negros, apesar da cor escura. Isto gera confusão na cabeça de uma criança, que acredita que o bonito é o liso, a pele clara”. E foi justamente esta falta de referências que fazia com que Luiza vivesse infeliz com a sua aparência e pedisse para que Kelen alisasse seu cabelo.
Para Kelen, Luiza hoje é uma outra criança, empoderada e segura de si: “Hoje ela nem liga para o preconceito, e ainda dá dicas para outras crianças de como deixar seus cachos bonitos. Ela diz que sofre muita inveja porque seus cachos são lindos, como os da Vanessa da Mata, e tudo que é bonito as pessoas criticam”.
A própria Kelen, concorda que ao ajudar a filha, a principal beneficiada, sem dúvida nenhuma, foi ela mesma:”Contribindo para a autoestima da Luiza, resgatei a minha própria. “Receber elogio do mundo é bom, mas o de uma criança, e ainda mais filha, é a melhor coisa do mundo! Criança é sincera.”
Para Márcia Paula e Silva, foi muito duro constatar que sua filha Maria Eduarda começou a sofrer os efeitos do racismo com apenas 03 anos. E embora se esforçasse para que a menina valorizasse sua raça e beleza natural, todos os argumentos se tornaram inválidos perto do bullyng cruel que sofria. Então para incentivá-la, Márcia se livrou dos alisamentos e constatou uma mudança brusca no comportamento da menina: “Hoje ela tem 8 anos e se ama muito”.
A pequena Lívia de 03 anos foi a fonte de inspiração que a mãe Valéria Martins precisava. Ao ver a menina arrasando com seus cachos, ela que estava cansada da progressiva, não pensou duas vezes em voltar ao seu cabelo natural. ” Antes todos perguntavam de onde ela havia puxado aqueles cachos tão lindos. Agora sei de onde ela puxou: é a cara da mãe!”, orgulha-se.
Cliente da Garagem dos Cachos, Lília Macedo decidiu parar de fazer a progressiva antes mesmo de engravidar: “Queria servir de exemplo para minha filha. Minha mãe tinha cabelo liso, e mesmo que reclamasse sempre da falta de volume, sempre me espelhei no cabelo dela enquanto lutava contra o meu”, explica. Embora tenha sido incentivada pela família, a amar seu cabelo natural, a falta de informações quanto aos cuidados e a insistência da cabeleireira para fazer escova, além de sempre escutar: ‘isso não pode porque arma’, fez com que Lília se tornasse refém dos alisamentos ainda na adolescência.
Ao interromper com as químicas e fazer o big chop pensando em sua filha, Lília sem perceber, acabou ajudando a si mesma a se libertar dos preconceitos contra o próprio cabelo. Ou seja, mesmo na barriga da mãe, a filha teve esse papel tão importante e libertador na vida de Lília, que chegou a ser incentivada a continuar com as químicas durante a gestação pela própria cabeleireira: “Ela tentava me convencer que existiam produtos alisantes indicados pra crianças e gestantes. Achei aquilo meio insano e pensei que se tivesse uma filha cacheada deveria aprender a cuidar de seus cabelos e da sua autoestima. Então foi ela, ainda no meu útero, que me ajudou a chegar aqui”.
Sempre me perguntava se quando ele crescesse, teria os cabelos lisos como os meus e os do pai, e eu sempre tentava contornar a situação, dizendo que ele era lindo, e que os cabelos dele eram tão lindos, assim como os meus, e ele então me disse: mas os seus são lisos, não tem cachinhos aí! Neste momento me dei conta de que precisava resgatar dentro de mim, quem eu verdadeiramente era, minha identidade, minha história, então resolvi voltar com meus cachos
Monique Gonçalves, de 31 anos, é outra mãe que se sente com a alma lavada por ter se libertado dos alisamentos. Ela deve isso ao filho Pablo Henrique, de 08 anos: “cresci, com meu ‘eu’ bem escondido e camuflado, até conhecer alguém que mais parecia ser um espelho meu, esse é o Pablo. Com sorriso largo e cabelos bem cacheados, a coisa mais linda que eu já vi, mas também não demorou para que ele não gostasse do que via no espelho. Sempre me perguntava se quando ele crescesse, teria os cabelos lisos como os meus e os do pai, e eu sempre tentava contornar a situação, dizendo que ele era lindo, e que os cabelos dele eram tão lindos, assim como os meus, e ele então me disse: mas os seus são lisos, não tem cachinhos aí! Neste momento me dei conta de que precisava resgatar dentro de mim, quem eu verdadeiramente era, minha identidade, minha história, então resolvi voltar com meus cachos, o que não foi uma tarefa fácil. Mas, consegui! Hoje, amo o que vejo no espelho, e sinceramente não sei como consegui ficar tanto tempo, longe de mim. Hoje meu filho ama o que vê no espelho, e um de seus espelhos sou eu, ele se vê em mim. E ao perguntar para ele o que ele mais gosta nele e em mim, adivinha o que ele responde? Dos cabelos!! Ahhhh Isso para mim é como lavar a alma e ser livre de tantas amarras feitas por uma sociedade tão injusta e estereotipada. Hoje somos nós e os cachinhos, com muito orgulho e muito, mas muito amor!”, finaliza orgulhosa e empoderada.
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